segunda-feira, 31 de agosto de 2009

o último dia de agosto

Há alguns anos atrás - não sei quantos - nunca lembrarei - deveria? - entraram na minha casa, ao meio dia
e levaram Tudo o que eu tinha.
"Tudo" nunca foi o computador, mas cada palavra guardada ali e irretornável,
"Tudo" nunca foi meu aparelho de som, mas a fitinha toscamente gravada com musicas escritas pra mim
por um amor irretornável,
"Tudo" nunca foram os meus brincos - mas o prazer de escutar a escuridão
"Tudo" nunca foram as miudezas incontáveis, os discos, os filmes, os livros, os cordões
Tudo o que levaram foi uma capsula que me protegia de um nível de contágio do mundo.
O que me levaram foi não ter medo do mês de agosto.
Deixaram pra trás vergonha das gavetas escancaradas, chorar debaixo do chuveiro,
sobrevivencia,
e dormir de luz acesa.
Ali começou minha segunda infância. A noite comprida mais solitária das crianças.
Há alguns anos, tenho medo de alguma coisa hoje.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

senti duas mãos tocando meu rosto e espaçando minhas pálpebras, não sei se para abrir meus olhos, não sei se pra espiar aqui dentro.
as mãos eram pequenas demais para serem tão duras.
as mãos eram pequenas demais e duras demais, e na verdade ele não me tocava, mas olhava de um jeito que parecia estar pegando toda a minha realidade.
fingi minhas córneas em lagos - debaixo da água vinha a fundura e ainda mais lá embaixo a lama e depois da lama eu incendiava.
me perguntei se ele via que tinha fogo no fundo dágua.
ninguém disse nada.
ele não me pegava. eu não respirava.
as gotas de suor desciam pelas pernas. as formigas subiam pelas pernas e encontravam aquela água salgada rolando como choro da pele
que, realidade,
ele não pegava.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

o que as pedras cantam enquanto são pisadas

deixe a garganta sangrar
pelo veio lateral
pela cama de armar
pelo sonho de um vagão carnal
a caminho de Quetzacoalt
o mapa que não é meu
a identidade que não te servir
a demora
e o assombro
deixe a garganta sangrar
pelo calcanhar.