terça-feira, 27 de outubro de 2009

Coisinha


Coisinha de partículas dança dentro de si. Como um pequeno nevoeiro de mosquistos fosforescentes. Ou o nada tentando criar um corpo. Quasechuva se sente inteligente quando pensa sobre o nada e suas medíocres complexidades.
Revira os olhos de prazer por se imaginar sábio na eminência da morte, com a algoz barriguda estacionada no ato.
Suspeita que ela pode voltar a qualquer momento, assim como a sensação de seus tornozelos não terminarem mais em pés, só uma massa carnosa ao redor de ossos.
Coisinha é o que lhe resta, com os pirilampos elétricos.
- Alguma vez voce já sonhou com sapos? - Coisinha me pergunta.
Entendo mais ou menos o conceito de sonhar. Imagino que já tenha acontecido comigo uma ou outra vez, ainda assim, a prática toda é francamente sobrenatural demais pra que eu confesse qualquer entendimento sem me sentir constrangido.
Respondo ruborizando,
- com sapo nunca, porque?
- Queria saber o que significa; olha ela, está sonhando que sapos a tomam, de baixo pra cima. Ela parece parada, mas com um intenso fluxo interno - Demonstra estar gradativamente excitada com a situação da barriguda espancadora imóvel
e eu sigo pensando "a vida é engraçada!", também consigo ver os batráquios por dentro de seus pés e pernas e subindo pela sua barriga e sumindo no meio da sua cabeça;
dou umas risadas.
Eu e Coisinha somos do tipo bons expectadores da vida -
em constante maravilhamento -
e quando o fluxo aumentado do trânsito anfíbio ia deixar a coisa realmente louca,
pffffuuuuuuuuuP!
Tudo sumiu.
Coisinha pensa, ahhhh, é assim que chovem sapos na terra!
Concordo com o seu pensamento.
Tanta erva ruim entrou nesse meu corpo pelas feridas dos pés que não sei mais onde está minha cabeça.
Eu acho que sonhar com sapos siginifca alguma coisa boa, porque eles sempre são os primeiros a sumir.
-Pra voce eles são pura sorte - pirilampa - ela deixou os sapatos.
-mmm, de fato. Sapatos.
Quasechuva calça os sapatos e a pequena rã onírica que não seguira o fluxo dos sapos por medo de ser ridicularizada entre a multidão, entra pelo buraco sangrento dos tornozelos do herói.
Me sinto alimentado, ele diz.
Me sinto em casa, a rã pensa.
Estamos em algum lugar, Coisinha sente.

Naquela noite, quasechuva sonharia com um dedo mindinho que ao se arrastar por intermináveis dunas de areia
soltava um sonzinho
como trilha gosmenta.

Foi assim que seus pés voltaram a crescer.
Mas antes disso acontecer, sem nem mesmo pensar no que viria a acontecer apartir dali, sem decisão discutida, seguem-se para qualquer lado.
Ele ainda manca os cotocos,
enquanto Coisinha se conduz pelo ar.

Um comentário:

  1. "Entendo mais ou menos o conceito de sonhar. Imagino que já tenha acontecido comigo uma ou outra vez, ainda assim, a prática toda é francamente sobrenatural demais pra que eu confesse qualquer entendimento sem me sentir constrangido."

    - e eu me sentia constrangido ao falar sobre sonhos e não sabia porquê.

    Excelente texto. Mitológico até eu gostar muito.

    ResponderExcluir