quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

coisas que eu queria falar mas não sei como dizer.

o amor é só um pedaço;
no fundo é tudo sobre forças,
e fontes, e energias.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

a última história de amor do ano - explicando o mito.

Eu não pensava em você até a hora em que abri a porta para sacudir a toalha da janta no quintal,
e a lua jorrou um branco tão impressionante arrebentando a noite sobre mim que fiquei zonzo, atordoado, tudo parou de doer e doeu o dobro ao mesmo tempo.
Achei que ia vomitar. Dei meia volta, entrei em casa e fui direto pro banheiro.
No caminho deixei a toalha em cima da mesa da cozinha e fiquei reparando na vontade que me dava, então não olhei pra ninguém.
Entrei no chuveiro gelado de roupa e tudo, se bem que só molhei a cabeça e as pernas por um segundo.
Me recomponho rápido, pra não pensar demais.
Na saída do banheiro reclamei com fúria do calor. Bateção de porta e tudo. Pai, mãe, os de casa me estranharam, mas era esse o meu normal.
Passei no quarto, peguei um cigarro e voltei lá fora.
A lua, essa cretina, que sempre estivera ali, agora me matava na fumaça que subia de mim. Noite existindo em cada um dos meus átomos, os assaltos, os suores, os televisores ligados, as chegadas, os motores em espera, os gatos, os postes, as lanchonetes, os grunhidos, os chorinhos, a quinta-feira, a adrenalina, os beijos, os grilos, os coelhos, a escuridão.
Quando acabou o meu cigarro, entrei em casa e nesse portal me lembrei com todo o corpo de ja ter sentido isso antes. Foi então que eu passei a pensar em voce.

Meus pais ainda estavam acordados vendo televisão; passei pela sala carregando o mundo nas bolsas dos olhos.
Quando eu passei, minha mãe disse que a minha bunda estava ficando grande. Acho que era algo que ela vinha esperando pra me dizer, porque ela nem olhou na hora em que disse, não tinha reparado ali. Aliás, ela escolheu o pior momento possível pra dizer isso.

Seria mentira se eu dissesse que não me lembro de ter cortado as gargantas dos coelhos. Não lembro de todo o processo, mas principalmente de pegar a faca e de todos os 11 cortes em si. Os sons deles se abrindo e evacuando a vida por aquele talho,
eu ainda consigo sentir todos os pedaços do ato.

Ninguém me viu fazendo isso. Suspeitaram de mim porque acordei coberto de sangue. Nunca encontraram a faca; intuitivamente suspeito que eu a engoli, mas se fosse mesmo eu já deveria ter tido algum problema.
Me perguntaram quase nada.
Passei aqueles dez dias na instituição e a minha família dizia pros outros que eu tinha tirado o apêndice, me fizeram uma cicatriz falsa e tudo.

Depois disso eu só parei de ouvir música, e tudo ficou bem.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

intestinos

ele tecla, senta, levanta, olha nos olhos do colega enxergando nada, arquiva, se dirije a,
tecla
envia email
mensagem de texto
mensagem automática
mensagem telepática informando ao terminal at home o que deseja para o jantar -
e a que temperatura sua ave morta deve estar.

Mas ele não É onde está.
Não é a caminhada distraída por entre prateleiras de processadores e zumbidos;
nem conversa ensaiada que desperdiçava para com aquela que se chamava Mãe e despejava qq conteúdo em seus ouvidos;
menos ainda seu status social condizente com o exemplar masculino médio com 37 anos de desejos forjados para acreditar em satisfação.
As teclas estalam sob seus dedos onde ele está
mas ele É lá onde não há nomes.
O ladrilho da sala salgada estala sob os seus passos - onde ele está;
mas ele É lá onde, na beira de um mar que nunca viu continente vivo,
deitado na areia negro-esgoto,
monta de lado
um cavalo desenhado com conchas e latas.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Senhora Gerador e Os escuridão

A velha Senhora Gerador insistia em dormir na casa que ficava sobre o cruzamento das linhas dos trens imaginários.
Não devia ser habitada, a casa. Era para ser um ponto de escoamento e redistribução de fluxo espaço-tempo, mas SG insistia que precisava dormir na sala do atravessamento.
Completando a equação, na Terra nasciam eletrossensíveis.
Eles eram a desculpa que a Senhora Gerador dava para sua exigência insistente; compensar Os escuridão, que com suas velas, seus livros de papel, seus lápis, canetas e instrumentos musicais, eram trancados em câmaras subterrâneas -
para que sobrevivam bem, mas nunca despertem mta curiosidade.
Protegidos da eletricidade,
Os escuridãos tem um fluxo sanguíneo mais baixo, as ondas cerebrais mais tranquilas e concentradas. Com o passar das gerações (única marcação de tempo válida ali) suas vozes foram dimuindo de volume. A comunicação se transformou em 100% de compartilhamento de informação dos ambientes;
muito além da simples telepatia, é um estado em que suas mentes estão no mesmo lugar. Se, por ventura, ainda há algo de idiossincrático a ser compartilhado, eles sopram nos ouvidos uns dos outros;
como voce venta, diz tudo sobre o que está pensando.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Coisinha


Coisinha de partículas dança dentro de si. Como um pequeno nevoeiro de mosquistos fosforescentes. Ou o nada tentando criar um corpo. Quasechuva se sente inteligente quando pensa sobre o nada e suas medíocres complexidades.
Revira os olhos de prazer por se imaginar sábio na eminência da morte, com a algoz barriguda estacionada no ato.
Suspeita que ela pode voltar a qualquer momento, assim como a sensação de seus tornozelos não terminarem mais em pés, só uma massa carnosa ao redor de ossos.
Coisinha é o que lhe resta, com os pirilampos elétricos.
- Alguma vez voce já sonhou com sapos? - Coisinha me pergunta.
Entendo mais ou menos o conceito de sonhar. Imagino que já tenha acontecido comigo uma ou outra vez, ainda assim, a prática toda é francamente sobrenatural demais pra que eu confesse qualquer entendimento sem me sentir constrangido.
Respondo ruborizando,
- com sapo nunca, porque?
- Queria saber o que significa; olha ela, está sonhando que sapos a tomam, de baixo pra cima. Ela parece parada, mas com um intenso fluxo interno - Demonstra estar gradativamente excitada com a situação da barriguda espancadora imóvel
e eu sigo pensando "a vida é engraçada!", também consigo ver os batráquios por dentro de seus pés e pernas e subindo pela sua barriga e sumindo no meio da sua cabeça;
dou umas risadas.
Eu e Coisinha somos do tipo bons expectadores da vida -
em constante maravilhamento -
e quando o fluxo aumentado do trânsito anfíbio ia deixar a coisa realmente louca,
pffffuuuuuuuuuP!
Tudo sumiu.
Coisinha pensa, ahhhh, é assim que chovem sapos na terra!
Concordo com o seu pensamento.
Tanta erva ruim entrou nesse meu corpo pelas feridas dos pés que não sei mais onde está minha cabeça.
Eu acho que sonhar com sapos siginifca alguma coisa boa, porque eles sempre são os primeiros a sumir.
-Pra voce eles são pura sorte - pirilampa - ela deixou os sapatos.
-mmm, de fato. Sapatos.
Quasechuva calça os sapatos e a pequena rã onírica que não seguira o fluxo dos sapos por medo de ser ridicularizada entre a multidão, entra pelo buraco sangrento dos tornozelos do herói.
Me sinto alimentado, ele diz.
Me sinto em casa, a rã pensa.
Estamos em algum lugar, Coisinha sente.

Naquela noite, quasechuva sonharia com um dedo mindinho que ao se arrastar por intermináveis dunas de areia
soltava um sonzinho
como trilha gosmenta.

Foi assim que seus pés voltaram a crescer.
Mas antes disso acontecer, sem nem mesmo pensar no que viria a acontecer apartir dali, sem decisão discutida, seguem-se para qualquer lado.
Ele ainda manca os cotocos,
enquanto Coisinha se conduz pelo ar.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

procurando olhos

Quasechuva desperta da transmissão na barriga da menina invisível alcançado pela dor. A mulher barriguda com ar tresloucado agora parte pra cima dele.
Com a velha, definitivamente acabou.
A mulher diz,
- voce está olhando pro nada, não tem nada ali, voce está vendo o nada, voce está vendo vendo vendo nada, voce comeu erva ruim, você comeu...
- Mas eu não estou vendo coisa alguma! Não estou nem olhando. Eu esto só...cansado. Tão cansado que deixo meus olhos pendurados no ar. - Não era uma desculpa muito boa, mas era um tipo de verdade.
Ela entretanto não se contenta nem controla, começa a armar a situação em que o matará de porrada: primeiro descer pesadas portas de insanidade sobre os olhos; então descontar toda a irmandade que poderia haver entre eles e simplesmente matar.
É uma coisa que acontece ali, o que começa não para mais.

Percebe o início do processo de sua morte.
Procura amárga-lo, não rola. Também não o aceita completamente, o fim podia ser mais interessante do que apanhando de mulher feia,
podia estar sedado pelo menos, mas se é o que há, se conforma.
A "coisinha" - que é uma nuvem de tons e sonidos - parece na dúvida entre entediada e assustada.
Ele não contava com mais nada.
Então, só pra concluir sua participação nessa existência,
perguntou:
-Porque isso?
Como é que chegara até sua morte?
A mulher parou o movimento. Não como se virasse estátua,
mais como se tivesse "sentado" em si, no meio de algo que armava.
Seu bote transformado num caminho suspenso.
Coisinha diz,
"o pesadelo é inominável".
Mas para Quasechuva,
-Não, não. Isso aí não vai servir.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

diálogo dentro da menina

Me aproximo das mulheres. A barriguda que bate não respira, grunhe resfolegando como um ex-ser-agora-demônio completamente perdido pra raiva e pra loucura. A que apanha virou um saco de ossos com passagem marcada só de ida pra terra dos pés juntos, ainda que os dela estejam bem separados, como o resto do corpo num manancial não humano e caótico. A pequena, menina ou anã, já desapareceu concretamente do meu olhar. Emana uns tons, coloridos e sonoros. Prefiro me concentrar nessa, a que não vejo bem. Espremo os olhos, fixo, desejo vê-la.
O que enxergo é uma cena, como se a pequena fosse um tubo de imagem projetando uma história.
São dois meninos sentados na base de um paredão de terra vermelha. Parece o fundo de um buraco, de tamanho suficiente pra ser a fundação de uma daquelas edificações que chamavam "casa". (Quando eu era pequeno, tinha uma caixa de recortes de casa. Não sei quem deixou aquilo pra mim, nem entendia direito o que era, mas sentia uma bola de pêlos na garganta (uquéque é saudade vó?) quando olhava aquilo e queimei aos dez.)

Diálogo dentro da menina:

1)tu sabe que tem uns bicho que quando são preso, comem as proprias patas pra se soltar?

2)como assim uns bicho? como assim? uns bicho pode ser qualquer bicho, e o mais provável é que seja mentira.

1)ah, nem vem tu sabe que é verdade.

2)tah eu acho que ja ouvi falar, mas se tu vai me contar conta direito. que bicho? hein hein, que tipo de bicho?

1)ah, não lembro bem, mas era raposa, ou urso. Um tipo assim. Ou lobo.

2)tah, acho que entendi, um tipo assim, mamífero selvagem

1)é ahahahahahahahaha, isso aí, mas que fica engraçado fica dizer mamífero selvagem...

2)ué, engraçado porque?

1)sei lá, porque pensar numa coisa que mama e é selvagem...é engraçado né?

2)meu que idiota, praticamente todos os mamíferos são selvagens uma coisa não tem nada a ver com a outra....ou melhor tem tudo a ver...ah sei lá, acho que é engraçado só nessa tua cabeça podre aí...

1)iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii....já começou a me tirar né? não sou cabeça podre não....só achei engraçado. mamar na teta, ser selvagem... ah, não tenho culpa se tu não pensa nas mesmas coisas que eu.

2)porra e não penso mesmo.

1)as vezes nem sei porque tu fica andando comigo, então.

2)nem eu, na real eu acho que vou embora

1)tah....mas tem certeza? eu acho que deve tah doendo ainda...

2)que doendo o que...o que tem pra estar doendo hein?

1)e tu tah com essa cara aí, esse olho cheio de água porque então?

2)mas nem to nada. NEM TO NADA. olha aqui bem pra mim, não to nada. COISA NENHUMA.

1)vamo dize que é só impressão minha então...mas que ele te machucou machucou....

2)bosta nenhuma. se não dói é porque não machucou. aprende comigo, aprende. aprende alguma coisa. SE NÃO MACHUCOU É PORQUE VC NÃO APANHOU. então tah inteiro, tah vivo.

1)mesmo que....

2)mesmo que qualquer coisa.

1)mmmm, legal. vou tentar me lembrar disso da proxima vez que alguém me bater...

2)CARALHO, NINGUÉM ME BATEU TAH?

1)ta, tah...calma aí, ninguem te bateu meu, tah tudo certo, como voce quiser....

2)sabe o que eu queria agora? um café preto. com cachaça. e um cigarro, mas um cigarro daqueles bem vagabundos sabe?

1)aposto que tu nunca fumou nem tomou café preto. muito menos com cachaça...

2)é animal...mas sempre tem um dia em que a gente começa. seu porra de mamífero selvagem...

sábado, 12 de setembro de 2009

subindo a colina

enquanto caminho ate as tres criaturas - e a medida que me aproximo a menor delas se apaga - penso que não deveria estar aqui
ou qualquer lugar
me lembro que eu tinha um quarto e uma cama onde aceitei morrer
até que ela me arrastou para fora
me obrigou a ve-la ir, assisti-la desistir de morrer comigo
partir
quebrar
algo próximo a uma esperança que tínhamos.
percebo que estou com os pés no osso, tocos, porque saí sem sapatos
sabendo que se ela embarcasse
não me importaria caminhar.
eu não sabia o quanto eu saberia fingir. e ir.
nem que seja por vingança
demorar um pouco mais até encontrá-la do outro lado
se é que há.
nem sei se eu deveria temer. ou sucumbir. nem sei se ainda estou em mim ou se a erva já me levou e sigo num moto-contínuo de existir.
saí da cama por ela
porque no fundo acreditava que com a minha cara horrível mas presente
ali ao lado
ela não teria coragem de ir.
quando ela subiu no trem esqueci esqueci esqueci esqueci esqueci na mesma cadencia do trem nos trilhos
esqueci.
há muita dor pra quem não esquece. muito deus. muita sobrevivência.
eu só sapato sapato cigarros.
estou bem perto das outras três, a menor é só um feixe de luz, não conto que ela exista.
a que está no chão já deve estar morta com tantas porradas.
se eu apanhar da mulher - vejo nitidamente uma mulher grávida que bate - baterei nela sem piedade.
tenho muitos motivos pra bater.
zaira nunca vai me pagar por ter disistido fingindo que tenta.
me chamo quasechuva e acho que já me ferrei demais. ou talvez só esteja me armando.
sapatos, sapatos, cigarros.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Chegando a algum lugar.

quando finalmente acordo,
depois de dormir, pesadelar, zumbizar, poetizar, atomizar, sofrer de fome
enlouquecer
e voltar
passaram-se varias partes do tempo chamadas dia.
Meus pés se transformaram em tocos. Movimento-me mais por estocadas na terra do que passos. Mas isso não me preocupa; estou apreensivo pela quase certeza de ter comido erva ruim. O que mais poderia ter me colocado nesse estado por tanto tempo e me anestesiado a ponto de não sentir dor nem falta das minhas extremidades?
Era bom esse efeito de seguir andando apesar de tudo.
Esse era o mais preocupante sintoma de erva ruim.

A última coisa de que me lembro é de pensar em sapatos e que encontraria os sapatos e que não pararia até sapatos.
Que eu desejara cigarros.
E mais adiante vira um clarão azul. O azul não parecia inofensivo ou saudável. Mas achei que não me antingiria.

O que quer que fosse, já tinha agarrado. Vou continuar. Talvez uma versão estragada de mim mesmo, mas vou continuar caminhando.

De qualquer forma, só lembro claramente do estrago de tempos em tempos.
Recordo vagamente de algum parente, uma tia, minha mãe talvez até, me contar sobre uma sensação parecida com isso que era "estar apaixonada". Lembro que ela contou passar dias inteiros na frente do computador. Falando com o namorado. Trocando emails. Instantaneamente. Arquivos. Essas merdas que eu não peguei.
E ela me dizia que se sentia como se estivesse sentada no parque vendo o sol e tocando o cara. E que a sensação que isso causava lhe apertava todos os orgãos internos. Constritos. Parece que com o tempo de convivencia a tendencia era que a sensação fosse amenizando. Se parasse totalmente é porque "não tinha mais nada a ver". Tenho até a impressão de que me divirto mais com essa história lembrando-a agora. Na época, não me fazia sentido algum, só muito chata. Entendo melhor sadomasoquismo.
E quero encontrar sapatos. Não sinto fome e não me perguntarei mais o porquê. Que venha o porquê e o porvir; e lá
logo adiante
eu vejo: Três vultos. Podem ser moças.
Daqui, eu já sei, eu já sinto, que a situação não é das melhores. A maior bate numa delas que está deitada, enquanto a menor, uma anã ou uma criança, grita desesperada.
Nem com uma luz perfeita como a do dia de hoje sobre um campo florido de erva ruim, esta cena é palatável ou de bom augúrio.
Mas é o meu destino ali na frente, meus sapatos logo adiante, e é pra lá que eu vou.

sábado, 5 de setembro de 2009

o amor explode como pipoca no milharal. pra além dos olhos tem verdade como varais de roupa no sabado de tarde.
o amor explode como a saída do inverno dos improváveis. como uns passos novos de dança.
como a desculpa em químicos - como uma música feita para despertar.
o amor explode como uma banda atrás de um pop perfeito.
um comentário sobre o tempo encobrindo a existência de desejos.
o amor mora em cidades distantes que se misturam por túneis carnívoros de amizade.
o amor despista o cansaço porque os melhores amigos estão por perto. e lavam as dores que não combinam mais com o novo fetiche do rosto.
o amor nos convoca a mergulhar em poças de profundidade insegura.
e a conversas desnecessárias.
e a doar um pouco de cérebro além dos rins e do sangue.
o amor é o milagre da nossa engenharia.
e a cola da matéria.
é uma ferida aberta. infeccionando pelos minutos de exposição.
é uma mentira coberta de razão.
é dormir para encobrir a verdade.
expor-se ao toco do osso do ridículo.
derreter na cadeira até o fim do medo.
dormir e chorar pra se limpar
dançar até passar
e não passar
é encontrar uma música nova
pra sofrer sem saber porque. é uma noite que nunca terminou.
é uma noite que nunca terminará
esvaziar todos os bolsos da racionalidade e sobreviver.
é fechar os olhos e ver com exatidão o rosto onde voce errou.
um erro que te perseguirá;
um desejo digno de permanecer.
uma permanência sem sentido. só sensação.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

o último dia de agosto

Há alguns anos atrás - não sei quantos - nunca lembrarei - deveria? - entraram na minha casa, ao meio dia
e levaram Tudo o que eu tinha.
"Tudo" nunca foi o computador, mas cada palavra guardada ali e irretornável,
"Tudo" nunca foi meu aparelho de som, mas a fitinha toscamente gravada com musicas escritas pra mim
por um amor irretornável,
"Tudo" nunca foram os meus brincos - mas o prazer de escutar a escuridão
"Tudo" nunca foram as miudezas incontáveis, os discos, os filmes, os livros, os cordões
Tudo o que levaram foi uma capsula que me protegia de um nível de contágio do mundo.
O que me levaram foi não ter medo do mês de agosto.
Deixaram pra trás vergonha das gavetas escancaradas, chorar debaixo do chuveiro,
sobrevivencia,
e dormir de luz acesa.
Ali começou minha segunda infância. A noite comprida mais solitária das crianças.
Há alguns anos, tenho medo de alguma coisa hoje.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

senti duas mãos tocando meu rosto e espaçando minhas pálpebras, não sei se para abrir meus olhos, não sei se pra espiar aqui dentro.
as mãos eram pequenas demais para serem tão duras.
as mãos eram pequenas demais e duras demais, e na verdade ele não me tocava, mas olhava de um jeito que parecia estar pegando toda a minha realidade.
fingi minhas córneas em lagos - debaixo da água vinha a fundura e ainda mais lá embaixo a lama e depois da lama eu incendiava.
me perguntei se ele via que tinha fogo no fundo dágua.
ninguém disse nada.
ele não me pegava. eu não respirava.
as gotas de suor desciam pelas pernas. as formigas subiam pelas pernas e encontravam aquela água salgada rolando como choro da pele
que, realidade,
ele não pegava.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

o que as pedras cantam enquanto são pisadas

deixe a garganta sangrar
pelo veio lateral
pela cama de armar
pelo sonho de um vagão carnal
a caminho de Quetzacoalt
o mapa que não é meu
a identidade que não te servir
a demora
e o assombro
deixe a garganta sangrar
pelo calcanhar.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

uma história para se distrair do caminho

era uma vez um menino e sua impressionante capacidade de se esconder.
mimetizar-se até sumir.
sábia e única e sobrenatural
e extraordinária
habilidade de desaparecer, mesmo estando por ali.
ninguém sabe se é de nascença e ele aprendeu a sobreviver com isso
ou
se para existir melhor,
ele inventou, aprimorou, treinou, dominou a técnica camaleônica.
ninguém sabe, porque não dá pra ver.
as piadas do universo que nascemos para ser.
piadas e acidentes que nascemos para ser.

o que se sabe é que, apesar dessa sua técnica afiada ser passível de utilização aos propósitos mais diversos,
mas especialmente aos escusos
que envolvem sumiço e escondimentos,
o menino nunca se usou dela para nada que não inofensiva diversão,
curiosidade,
e um tanto de proteção.

com o passar do tempo, proteção é que o aumenta na necessidade dos humanos.
mesmo sem querer o menino passou a se esconder mais do que seriam os limites seguros do escapismo.
ele foi usando o suficiente
para desaparecer.
o que aconteceu é que um dia ele não sabia mais voltar a estar
de fato
corpo
realidade e ato
onde ele deveria estar.
era como sair
e perder as chaves da casa de si mesmo.

a parte satisfatória dessa lenda, é que ele não foi engolido pelo nó da eternidade.
ele está só invisível, andando por aí
mas se alguém acreditar que ele ainda existe (ou que é possível cair pra cima), ele vai voltar a corar.

era uma vez
uma menina que via melhor as cores invisíveis do que as que brilham demais.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

1707 - a caminho

sapato sapato sapato cigarro sapato sapato sapato cigarro sapato
Estranho que esteja pensando em cigarro no meio do desejo por sapatos.
Pelo que me lembro, nunca fumei. Já anoitece, andei o dia inteiro por um campo interminável de erva ruim que parece não levar a lugar nenhum. Tudo isso é redundância.
Campo interminável só pode levar a lugar nenhum de erva ruim e erva ruim só pode acabar em lugar nenhum e já nem deveria se chamar erva ruim já que não temos a boa pra contrapor. Erva ruim é a única erva daqui. Devia se chamar erva daqui. Ela não é feia. É uma plantinha que fica lá pela altura dos joelhos, tem folhinhas verdes e mimosas. Pra um desesperado, ela pode facilmente parecer amigável e boa, mas não é, nunca é. Há umas duas horas atrás, meus pés começaram a deixar um rastro de sangue e restos. Agora que escurece, minha pista está levemente iluminada. É a radiação que todos nós contemos. Penso que é bom que ninguém esteja me seguindo. Assim eu posso só achar bonito meu encalço fosforescente. Sem angústias nem temores.
Claro, meus pés doem de perder pedaços.
Mas não, não doem o suficiente pra me fazer chorar ou lamentar ter deixado tudo pra trás.
Sapato sapato sapato, me concentro no que eu vou encontrar.
Ele será durável, resistente, uma couraça por fora, mas macio, morno, acolchoado e confortável por dentro.
O sapato que eu vou encontrar, o meu novo sapato.
Dentro dele, meus pés vão descansar e se regenerar.
Com ele, meu caminho poderá se zilhoamplificar.
Meu pai me ensinou uma canção
que o pai dele cantava
"eu vou lá que andar é reconhecer, olhar, eu preciso andar um caminho só, vou buscar alguém, que eu não sei quem sou"*
De vez enquando, eu queria saber por onde o meu pai andou. Sei que eu nunca saberei. Sei que nunca tivemos amor suficiente pra dividir sobre caminhos. Se tivéssemos tido mais tempo, teríamos podido.
Pelo menos sinto orgulho de saber o que aconteceu com o meu pai e minha mãe.
Onde eles estão.
Nem vivos nem mortos. Intocáveis.
Mas eu sei onde eles estão.
Saber quem são seus pais, e onde eles estão, por aqui, é que se pode chamar de família e lar.
sapato sapato sapato cigarro sapato sapato sapato cigarro sapato
acho que vou começar a fumar
meu pai me contou que fumar era o que fazia o meu avô.
Meu sangue brilhante, corta a escuridão.




*primeiro andar - los hermanos

segunda-feira, 20 de julho de 2009

1707 b

depois que ela se foi não olho pra trás não pisco não paro não respiro o ar de onde estivemos - o ar de onde falamos de onde sentamos. depois que ela se foi não digo mais seu nome não choro nem um pouco, não relembro, não me esforço por guardar nem um pedaço nem um espaço nem um fragmento de alguma roupa vestida em ocasião especial, nunca houve ocasião especial.
depois que ela se foi e eu não pude contê-la,
não guardo - jamais -
lembrança ou memória.
aqui, lembrança e memória, ainda mais de alguém que desistiu, são mais venenosos do que erva ruim. erva ruim te mata rápido, te acaba.
guardar alguém que desistiu na cabeça te engana, polui a visão, nubla os perigos, mastiga o instinto de sobrevivência.
é começar a não aguentar também.
enterro o presente deixado pra mim, porque assim que o trem se foi de vez, já deixou de ser bonito, é puro perigo.
sigo andando.
para o resto da manhã, preciso de um objetivo.
agora existo pra encontrar um par de sapatos.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

dia 1707

- você acha que tem mesmo que ir?
Quase morro de vergonha depois de perguntar. Quero pegar as palavras ainda soltas no ar e enfia-las de volta na minha goela.
Olho pra baixo. Ela também. Procuramos um foco olhando pros meus pés. Continuamos andando. Meus pés estão imundos, onde não há lama cinzenta, há crostas de feridas antigas e manchas de sangue mais recente. A rara pele exposta está roxa. Faz menos de zero graus. O frio sempre é negativo.
Então ela diz
- porque voce nunca usa sapato?
AHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAs enchem o ar.
Rimos muito, rimos demais, rimos os ultimos anos de vida e os que não virão.
Rimos pra não chorar. Rimos porque ainda nos importamos. Rimos porque não adianta mais se importar.
Estamos perto dos trilhos agora. Apesar de não serem usados há anos, eu ainda os escuto os trens chegando. Apesar de não haver mais minério azul pra ser transportado, ao chão às margens da ferrovia ainda é índigo, reluzente e tão radioativo que é até mais quente. Seguimos por ali, dá até pra tirar as mãos dos bolsos.
Nos damos as mãos.
Noto que a mão dela tem um dedinho a mais desde a última vez que a peguei. É um dedinho bonito. Acaricio esse dedinho com meu polegar super crescido, como um cão cuidaria de seu filhotinho mais fofo.
Olho pra cima. Como amanhece, teremos uma hora de céu vermelho. Ela não olha, diz que prefere não perceber que o céu pode ter essa luz. Tudo bem, cada um com seus pudores, cada um com seus tesouros.
Zaira pede pra sentarmos um pouco. Carrego sempre dobradinho no bolso um lençol de plástico pra estender no chão podre nessas ocasiões.
(cada um com seus pudores, cada um com seus tesouros)
Ela abriu a mochila e tirou um velho mp3 player. Eu já tinha ouvido falar deles, até visto um ou outro, mas nunca experimentei um desses.
-Onde voce conseguiu isso?
-Ontem eu fui até a casa onde meu pai cresceu...
-Porque você foi lá? Voce tah...com medo?Tah pensando em desistir? Vem Zaira, vamos embora, voce não quer ir praquele lugar, vamos ir ficando aqui enquanto der, do jeito que der como a gente sempre fez....
-NÃO. NÃO. NÃO.
Ela tem um cacoete no cérebro. Sempre repete 3 vezes quando se agita.
Achei que ela fosse chorar. Tive medo do que sairia se ela chorasse. Mas ela se conteve. Vem, vamos ouvir o que ele ouvia, ela disse.
Colocou um fone e me deu o outro.
Era uma música toda feita de barulhinhos, mas ainda organica, ainda emocional, ainda soando, ainda harmonica. Dava pra perceber que era uma musica feita num tempo onde ainda se sentia coisas como ódio e amor.
Ficamos ali, ouvindo até que de repente com o ouvido vago achei estar escutando a vinda de um trem,
tirei o fone do outro ouvido
prestei atenção
e era mesmo
chamei Zaira pra fora do transe da música
"escuta escuta é um trem, vamos embora"
ela só riu um pouco.
Botou então os dois fones nos proprios ouvidos
aumentou o volume
foi pra perto dos trilhos e disse
- como voce achou que eu ia pra lá?
Fiquei horrorizado, eu ainda esperava que ela desistisse.
Ela não me ouvia mais, mas viu meu rosto transtornado.
-Não se preocupe. Eu vou ficar bem. Parece que eles dão discos de verdade pra gente depois dos testes. Voce devia vir também, quando desistir.

Quando eu desistir.

Veio vindo veio vindo veio vindo o trem. Não era um dos azuis. O trem parecia até de um metal comum, normal, cinzento, simples. O trem não parou nem diminuiu. Veio vindo veio vindo veio vindo e quando se aproximou um homem com um braço muito comprido estendeu a mão e a puxou pra dentro.

Fiquei olhando, mas ninguém olhou pra mim de volta.

Um pouco adiante, vi uma mão acenando e algo sendo lançado pra fora do trem. Corri, era o mp3 player. Até que gostei. Mas acho que no fundo eu teria preferido o dedinho.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

o cheiro da vida acordando, se esvaindo, se movendo sempre em direção ao fim.
terminar, terminar é a sina da existência.
o cheiro do calor nas cobertas da noite passada, de passar a noite, de cumprir mais um horário ritual.
acredito no tempo porque ele não tem medo de mim.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

test test test

tip top
tip drop
tip tip
pops