terça-feira, 29 de dezembro de 2009

a última história de amor do ano - explicando o mito.

Eu não pensava em você até a hora em que abri a porta para sacudir a toalha da janta no quintal,
e a lua jorrou um branco tão impressionante arrebentando a noite sobre mim que fiquei zonzo, atordoado, tudo parou de doer e doeu o dobro ao mesmo tempo.
Achei que ia vomitar. Dei meia volta, entrei em casa e fui direto pro banheiro.
No caminho deixei a toalha em cima da mesa da cozinha e fiquei reparando na vontade que me dava, então não olhei pra ninguém.
Entrei no chuveiro gelado de roupa e tudo, se bem que só molhei a cabeça e as pernas por um segundo.
Me recomponho rápido, pra não pensar demais.
Na saída do banheiro reclamei com fúria do calor. Bateção de porta e tudo. Pai, mãe, os de casa me estranharam, mas era esse o meu normal.
Passei no quarto, peguei um cigarro e voltei lá fora.
A lua, essa cretina, que sempre estivera ali, agora me matava na fumaça que subia de mim. Noite existindo em cada um dos meus átomos, os assaltos, os suores, os televisores ligados, as chegadas, os motores em espera, os gatos, os postes, as lanchonetes, os grunhidos, os chorinhos, a quinta-feira, a adrenalina, os beijos, os grilos, os coelhos, a escuridão.
Quando acabou o meu cigarro, entrei em casa e nesse portal me lembrei com todo o corpo de ja ter sentido isso antes. Foi então que eu passei a pensar em voce.

Meus pais ainda estavam acordados vendo televisão; passei pela sala carregando o mundo nas bolsas dos olhos.
Quando eu passei, minha mãe disse que a minha bunda estava ficando grande. Acho que era algo que ela vinha esperando pra me dizer, porque ela nem olhou na hora em que disse, não tinha reparado ali. Aliás, ela escolheu o pior momento possível pra dizer isso.

Seria mentira se eu dissesse que não me lembro de ter cortado as gargantas dos coelhos. Não lembro de todo o processo, mas principalmente de pegar a faca e de todos os 11 cortes em si. Os sons deles se abrindo e evacuando a vida por aquele talho,
eu ainda consigo sentir todos os pedaços do ato.

Ninguém me viu fazendo isso. Suspeitaram de mim porque acordei coberto de sangue. Nunca encontraram a faca; intuitivamente suspeito que eu a engoli, mas se fosse mesmo eu já deveria ter tido algum problema.
Me perguntaram quase nada.
Passei aqueles dez dias na instituição e a minha família dizia pros outros que eu tinha tirado o apêndice, me fizeram uma cicatriz falsa e tudo.

Depois disso eu só parei de ouvir música, e tudo ficou bem.

2 comentários:

  1. Sensação de ler-te? "Me recomponho rápido, pra não pensar demais." Alguém pode estranhar, mas eu sou sempre assim. Gostei

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